poema

das

folhas

secas

de

plátano

 

 

 

  As folhas dos plátanos desprendem-se e lançam-se na aventura do espaço,

  e os olhos de uma pobre criatura

  comovidos as seguem.

  São belas as folhas dos plátanos

  quando caem, nas tardes de Novembro

  contra o fundo de um céu  desgrenhado e sangrento.

  Ondulam como os braços da preguiça

  no indolente bocejo.

  Sobem e descem, baloiçam-se e repousam,

  traçam erres e esses, cicloides e volutas,

  no espaço escrevem com o pecíolo breve,

  numa caligrafia requintada,

  o nome que se pensa,

  e seguem e regressam,

  dedilhando em compassos sonolentos

  a música outonal do entardecer.

 

 

  São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.

  Eram lisas e verdes no apogeu

  da sua juventude em clorofila,

  mas agora, no outono de si mesmas,

  o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,

  deixou-se trespassar por afiado ácidos.

  A verde clorofila, perdido o seu magnésio,

  vestiu-se de burel,

  de um tom que não é cor,

  nem se sabe dizer que nome tenha,

  a não ser o seu próprio,

  folha seca de plátano.

  A secura do Sol causticou-a de rugas,

  um castanho mais denso acentuou-lhe os nervos,

  e  esta real e pobre criatura

  vendo o solo coberto de folhas outonais

  medita no malogro das coisas que a rodeiam:

  dá-lhes o tom a ausência de magnésio;

  os olhos, a beleza.

 

 

orange.gif

António Gedeão

 In, Poemas Escolhidos de

Edições JSC, Lisboa

orange.gif

 

 

 

© 2004 Árvores e Arbustos de Portugal  - Todos os direitos reservados.